quinta-feira, 21 de junho de 2007

Périplo

Marciete,

dei de ler sabe o que? Poemas de Augusto dos Anjos.

Veja você, Marciete: eu lendo Augusto dos Anjos!

Estou em Belém, morando provisóriamente numa favela com um casal de amigos que conheci em Catolé do Rocha, Paraíba.

Ela chama Ednalva, mas o nome mesmo é Rosemildo da Cruz. Ele é travesti, mas não gosta que fala travesti. Diz que é uma mulé dama igual as outras, a única diferença é ela que tem uma mangaba pendurada.

Ednalva mora com Sebastião, que é um mulato de dois metros de altura, pesa uns cento e trinta quilos, tem um olho azul e outro verde e tá sempre com um facão imenso na cinta e diz o povo que já decepou mais de dez cabeças. Ednalva fala que não é bem assim, que foram só uma três ou quatro mas o povo gosta de aumentar tudo porque não tem o que fazer. O casal vende ervas medicinais, maconha e ayuasca.

Os dois gostam de mim e eu gosto deles. Passamos as noites bebendo muita cachaça e comendo peixe e siri numa birosca dos alagados. Enquanto bebo oito ou dez doses Sebastião já entornou uma garrafas pelo gargalo. Ednalva não bebe e nem fuma. É espiritualista, budista, católica, evangélica e filha de babalaô. Tudo ao mesmo tempo. Diz que não é porque é quenga do mangue que vai dar mole pro Coisa Ruim.

Dia desses, madrugada já, assim sem mais nem menos, virado na cachaça, eu recitei um trecho do Manifesto Comunista e depois um poema do Augusto dos Anjos pra eles lá na birosca. Quando terminei, Sebastião ficou me olhando fixamente por uns vinte segundos e de repente desatou num choro convulsivo, ajoelhou, beijou meus pés, beijou Ednalva na boca, entornou mais meia garrafa de cana pelo gargalo num gole só, partiu uma mesa em duas com um golpe de facão e foi embora.

Ednalva me disse que Sebastião é assim mesmo, sentimental, mas só quando bebe.

Amanhã pego carona num caminhão até Santarém. De lá vou de barco até Manaus. Pego outra barca e desço o Rio Madeira. Em Rondônia cruzo a fronteira com o Peru e vou em lombo de burro até Quillabamba, onde tem uma revolução começando. Diz que vão precisar de botas, fardas e capacetes. Mando a lista e você compra na Avenida Tiradentes aí em São Paulo e me manda pra agência dos correios em Porto Velho. Dá pra garantir uns três, quatro mil de lucro.

A guerra, qualquer uma, é um grande negócio pra quem tem muito faro empresarial e nenhum escrúpulo.

Não foi à toa, minha flor, que li tanto Bertold Brecht. Sabia que uma hora ia acabar entendendo.

Saudades. Cornucópia de paixões, veias abertas da América Latina, Libertadores da América, golaço de fora da área, suas coxas generosas, seu riso fácil em fá maior, sua cara de mulher. Te amo de um jeito que nem sei.

Do sempre, sempre teu
Erasmo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Como é um riso em fá?

Nerso Muqueta disse...

Mais alto e claro do que um em dó maior, por exemplo. Próxima lição: peido em sustenido e com vibrato.

Anônimo disse...

Gostaria de ouvir peidos alegretos em stacatto, tem as manha?