sexta-feira, 27 de julho de 2007

O Mestre das Dunas

* Texto de Nerso Muqueta, postado por Teotônio

Tava aqui pensando: se o Paulo Coelho pode, o Jorge Luis Borges pode, a J. K. Rowling pode, por que eu não posso?

Resolvi dedicar-me aos escritos místicos-fantásticos-esotéricos-exotéricos. Até porque me encontro na mesmíssima posição dos citados escrivinhadores: preciso de grana, ando numa deprê dessas capazes de matar um jegue e não sei fazer nada de útil, tipo acertar o relógio do videocassete.

Adentremos pois o instigante universo da metafisica, troço que não precisa nem nunca precisou fazer sentido algum.




Simão Wisehall acordou inquieto naquela manhã. Talvez pela surpreendente brisa, um sopro leve e diáfano atravessando a aridez sempiterna do deserto. Um fenômeno raro, quase impossível.

Simão sentou-se sobre a pedra de sempre e iniciou sua jornada diária de sempre: observar e esperar.

Simão vive no deserto desde menino. Hoje é quase um ancião. Observa e espera. Quando menino Simão Wisehall tinha dificuldade de relacionamento na escola. Seus coleguinhas gostavam de provocá-lo e importuná-lo. Costumavam repetir à exaustão e às gargalhadas: "Ei, Wisehall, pega no meu pau!"

Simão tornou-se um adolescente retraído e solitário. E adquiriu o hábito insólito de pegar no pau das pessoas que dele se aproximavam. Homens ou mulheres.

Os familiares de Simão acharam por bem afastá-lo desse convívio social, que consideravam por demais agressivo e pernicioso para a formação de Wisehall. Resolveram da maneira que pareceu a todos a mais correta e exequível: compraram um camelo e internaram o jovem Simão no meio do deserto do Saara, deixando-lhe o camelo como companhia.

Simão, no dia em que chegou ao centro do deserto, perguntou para sua mãe quando viriam buscá-lo para levá-lo de volta. Sua mãe respondeu que "em breve", enquanto seu pai cobria a boca com a mão, contendo uma gargalhada.

Simão aprendeu a domar o deserto. A torná-lo seu aliado. Aprendeu cada movimento da noite silenciosa. Decifrou o brilho das estrelas, o movimento da lua, integrou-se à dança harmoniosa das galáxias e ao passeio noturno das nebulosas. Aprendeu e empreendeu muitas viagens astrais. Abandonava seu corpo deitado na areia e deixava sua energia cósmica visitar as mais próximas e as mais distantes constelações. Aprendeu a materializar pequenas coisas e objetos: primeiro um ínfimo grão de areia, depois um pequeno pedregulho, até atingir a suprema perfeição de conseguir materializar um cheese-salada sem maionese, Coca-Cola, fritas e um exemplar da revista Sexy com a Viviane Araujo.

O dia era hora de meditação, observação e espera. O Sol abrasador era mais que um amigo de Simão Wisehall. Era seu Mestre, seu mentor astral. Ensinou-lhe o segredo da paciência, da perseverança e do eterno retorno.

Simão fez vários amigos durante sua estadia nas areias escaldantes do Saara: Bieergaard, o lagarto, Vênus, o camelo, Lautrec, o escorpião, Cannus, o coyote e Babilônia, um papagaio da América do Sul que migrou para o Oriente Médio por motivos até hoje obscuros.

Exercitando a prática da paciência e da perseverança que aprendeu com o Astro Rei, Simão decidiu ensinar seus amigos animais a falar. Babilônia, o louro, aprendeu rapidamente, um dom que a natureza lhe concedeu. Os outros demoraram algumas décadas. Finalmente aprenderam. Simão então reuniu Bieergaad, Vênus, Lautrec, Cannus e Babilônia em volta de si e ordenou-lhes: "Amiguinhos, falem!!" e os animaizinhos repetiram em uníssono "Ei, Whisehall, pega no meu pau!".

Todos, exceto o louro Babilônia que, de acordo com seu espírito Latino-americano, mandou a plenos pulmões: "Ei, Simão, tamos aí nesse bundão!"

As gargalhadas ecoaram na vastidão do deserto. A mais alta e estridente era a de Simão.

Esperar e observar, nunca mais. Era agora um Mestre entre os seus. Um guia dos desalentados, solidamente integrado à sua Verdade Prânica. Dirigiu-se aos seus discípulos, em tom calmo e superior: "Lição da semana que vem: como construir uma cidade-cassino em pleno deserto. Conto com a presença de todos".

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